RIVKA MENDES

Rivka Mendes

POESIA_DE_FORTALEZA-POETA-RIVKA MENDES

Nome: Rivka Mendes

Biografia:

Nasci em Curitiba, em 1986, lá me formei em letras e medicina. Fui algumas vezes para Varsóvia, onde aprendi iídiche – idioma que estudo e traduzo. Fundei a editora Dybbuk, pela qual publiquei meu primeiro livro, editando uma série de outros autores. Em 2016 mudei para Fortaleza, cidade na qual e assumi como mulher transgênero não-binária e onde vivo até hoje.

Poesias

Simcha bat

No que foi que meu filho se transformou?
Podia ter muitas respostas:
mas é uma só a que importa
já sabe na verdade: a resposta veio antes
da pergunta.

A resposta nas minhas roupas
na maquiagem
nos meus seios e nos hormônios que eu tomo:

médica, professora, cientista,
poeta, editora, idichista,
judia mais ou menos frum
(acende as velas e abençoa o vinho
mas às vezes come camarão)
madrasta, tradutora, esposa,
amiga, filha, leitora, comunista,
antifacista, ansiosa, leitora de Maiakóvski

Com algumas décadas de atraso
o meu simcha bat.
Atendido por ausências e
distâncias.
Eu mesma abro
a bíblia  e  escolho   nome.

Canção

Lembro duma noite
em que você me disse:
‘eu te amo.’ Contém
amianto. Não respire a poeira. Consulte
as instruções do catálogo.
Mas não há nada
parecido com um catálogo
do mundo.
Também me lembro de como
você me perguntou porque, diabos,
eu perdia tempo odiando a cor amarela.
No fim das contas eu nunca
sei nada sobre ninguém. Não existe
tempo, apenas espaço.
Uma teia de aranha
tatuada na mão significa
a lembrança de um comparsa,
de um cúmplice morto.
Talvez
eu também te ame.

Blecaute

Os gatos pulam de um lado pro outro
miando displicentes.
Ferlinghetti aos 97 anos quase cego esperando o blecaute
final.Uma criança canta no banheiro os carros passam
grunhindo lá fora.
Diferentes alfabetos se desdobram marcando
o começo e o fim
das coisas todas.
Um coração assistólico:
a passagem dos dias é uma paisagem erma
no qual nada se ouve
nada se enxerga
à sua margem: somos
como  barro
da beira do rio
nem peixes nem pedras
nem nada que habita
o fundo.

Heimweh

Quantas vezes
aquela coisa de
lar é onde o coração
está
Lar é também
onde o sangue escorre
mas pode com facilidade
ser lavado,
e ter a ferida suturada.
Lar é também o lugar onde a língua
se encontra
mesmo que o corpo
esteja distante
mesmo que o corpo
esteja sumindo
ou doente.
Lar é também um lugar bem longe do coração.