22 nov ÍRIS CAVALCANTE
Íris Cavalcante

Nome: Íris Cavalcante
Biografia:
Íris Cavalcante, nascida em Baturité-CE, Especialista em Escrita Literária e MBA em Administração. Estreou na literatura com a publicação independente Palavras e poesias (Expressão Gráfica, 2003), seguida de O caminho das letras (Expressão Gráfica, 2006), o romance O sobrevivente (Expressão Gráfica, 2010) e Vento do 8º andar (Premius Editora, 2017), finalista do Prêmio Jabuti 2018, na categoria poesias. A autora tem participação nas coletâneas Chuva literária: Uma antologia de autores nordestinos (Scortecci Editora, 2017), Mirabilia contos de Natal (Editora Labrador, 2018) e Todos os tempos do universo (FBUNIi, 2019), nas revistas E Sesc-SP, Philos-RJ, LiteraLivre e fez parte de um projeto de crônicas semanais no segundaopiniao.jor.br. Em agosto/2019, lançou o romance “Por quem se curvam os homens”, na Amazon.
Poesias
Algumas de nós
Não queremos ser mártires
nem heroínas nem mortas
nem em cárceres mantidas
de nada, privadas.
Dizemos não, mesmo depois do sim
mudamos de opinião
rimos escolhemos comparamos
desistimos de alguns algures alhures
Mas não
não matamos ninguém, senhor doutor
eles é que nos matam a nós
disso temos medo.
Sangramos todo mês
outras de nós, não
resistimos até o último fluxo de sangue
porque há resistência
enquanto vida há.
Temos prazeres secretos inconfessáveis
aprendemos com os livros
votamos com livros
acompanhados de Clarice
Rosa ou Saramago
não nos juntamos
a qualquer um
exigente essa menina
então respeita essa mulher.
Conhecemos a agenda global
o capitalismo dominante
o fascismo emergente
a fome que se arvora e nos devora
e nos come por dentro e por fora.
Mil faces temos, inúmeras somos
poetas executivas doutoras
operárias de chão de fábrica
mãe, se mãe quisermos ser.
Mulher que clama ama e não ama faz drama
consente ou não, sempre consciente
se não entende, meu bem
desocupa o lugar
porque vamos à luta.
Dois corpos só ocupam o mesmo espaço
quando há sentido na dança
dos corpos e dos sentimentos
física aritmética ou poética
então segue o baile
amarras não temos mais.
Queremos amar e ser amadas
fazer livros e amor, nunca armas
respeita essa menina
ou esse rapaz, se rapaz for.
Queremos mandar na própria sina, irmão
sem medo de dobrar a esquina
heroínas não, plurais
é da paz que somos, da paz!
Filhos do sonho
Escuto vozes dos meus ancestrais
cantos e lamentos no chão das senzalas
ou nos porões dos navios
na travessia de um Atlântico sem fim.
sob minha pele branca
trago o sangue negreiro que me faz resistir
sou filha do português com a negra da senzala
reinvento em poema
a história não contada dos meus antepassados.
Arranco com minhas próprias mãos
os sonhos que enterraram
acalento esse sonho, alimento esse sonho faminto
como a um menino recém-nascido
para silenciá-lo do choro.
É tempo do renascimento
de curar as cicatrizes e recuperar a voz
minha memória me traz a dor do tronco
e o preconceito de todos os dias
A cada manhã
meus irmãos e eu estamos prontos para a luta
o presente a sobreviver e o passado a ser lembrado
para a construção do futuro.
Que não tenhamos mais punhos sangrando
pelas correntes do opressor
e que a cor da pele
não seja mais indicativo
de diferenciação entre os homens.
Meus ancestrais reconstruíram suas memórias sob a dor
mas quando enterraram os sonhos
confiaram nos filhos dos sonhos
por eles, nossas razões para resistir.
Essa gente
Que gente é essa
inadequada e sem medo
que chega às universidades
defende teses de doutorado
escreve livros.
Quem são esses pobres pretos pardos
retirantes subversivos politizados
com bandeiras multicoloridas
em cores de arco-íris
amarelo rosa ou grená.
Ora, mas o quê que há?
saíram dos guetos dos morros
dos armários dos confessionários
pois se não há mais pecados a confessar.
Que gente é essa de cabelos afro
mulheres e homens pretos como um breu
bravios progressistas
bramindo palavras de ordem ou desordem
desconstruindo gêneros
poluindo o planeta com poemas
mas que blasfêmia, Nosso Senhor!
Injúria calúnia
difamação às elites brancas
seculares almofadadas
com seus rabos postos
em tronos de insensatez.
Ora, mas que gente é essa, pobre gente
antes tão servil
agora quer direitos
que apenas a uma classe convém
Distribuição de renda, faça-me o favor
volte à base da pirâmide
olhe como fala, hoje eu sou doutor
mas sua mãe é analfabeta
ela lê o mundo melhor que o senhor!
Essa gente já foi marginal
invisível e sem nome
hoje faz da margem
a fronteira de um despertar
subverte a ordem imposta, a subalternidade
a reposta pronta que lhes ensinaram a dar.
Essa gente que acorda cedo
faz o próprio tempo porque o tempo urge
não há mais tempo a perder
rompe as muralhas dantes a cada amanhecer
nas fábricas universidades
mercados catedrais.
Cuidado com essa gente, sistema perverso
estado parlamento o tempo todo e a todo tempo
Sou desse tipo de gente
feito prosa e verso
gente que é mesmo gente, sem mais!