24 nov GUILHERME AUGUSTO
Guilherme Augusto

Nome: Guilherme Augusto
Biografia:
Guilherme Brito, 26 anos, é poeta natural de Fortaleza, Ceará. Começou a escrever aos 10 anos de idade, inspirado pelo seu avô Heitor Lavor, engenheiro aposentado do DNOCS, poeta e cantor, autor de coletânea de poemas como Momentos, que foi editado e produzido pelo seu neto. É formado em Direito pela Universidade de Fortaleza, e hoje é atuante nos escritórios de advocacia e corretagem de imóveis pela capital cearense, sem nunca, porém, abandonar a prática literária. Autor de uma página no Instagram de poemas e textos, escreve para um público crescente de mais de 5 mil pessoas semanalmente. Hoje, em parceria com estudantes de Cinema, escreve o seu primeiro roteiro de longa-metragem. Tem como principal inspiração para a poesia a autora Clarice Lispector e o autor Carlos Drummond de Andrade.
Poesias
Lágrimas.
Já faz muito tempo que o homem mente.
Tanto que não lembra bem a verdade que quis acobertar.
Do que tinha medo, do que precisou esconder nas entranhas para poder seguir em frente.
Na mentira, engoliu uma parte de si. Que o fazia homem.
E se tornou uma criatura bastarda, estranha e triste, meio homem e meio outra coisa.
É efeito a longo prazo da mentira convencida, se esquecer do que se era e virar outra coisa.
Mas a verdade mesmo nunca morre.
Se maquia seus defeitos, depois a cobre de paus e pedras.
Um dia até a queima, esconde as cinzas numa gaveta e berra: “Não sou isso!”.
Mas se é.
No escuro e no travesseiro, a verdade sobe para respirar,
explodindo os entulhos de mentira que desfigurou o homem por completo.
Esse pequeno momento, o homem olha nos olhos da parte de si que tentou matar.
Fraca, machucada e abandonada.
E nunca mais descansa sob o peso dessa traição.
Não dorme, não ama, não vive.
E não chora.
Não chora nunca.
Segunda-feira de manhã, trabalha.
E ai do homem, que entre homens,
resolve ir trabalhar com lágrimas nos olhos.
É dilacerado e morto, por criaturas burocráticas,
que gargalham e arrotam sob aquele que ousou chorar algumas
proibidas lágrimas masculinas.
Carta de Não-Suicídio.
Escrevo essa carta para te dizer que não me matei.
Não, não foi fácil.
O semestre passou como um trem que só vai para a frente,
atropelando-se todas as paradas do itinerário.
As vezes até quis arrebentar a janela e me jogar nos trilhos.
Mas não me joguei.
Eles garantiram que eu não sobreviveria até julho.
Porque a vida agora é parada militar com todos marchando para a frente.
Eu não iria aguentar o desfile pomposo das piores marcas de fardas do mundo!
Confesso que quis sim rasgar a minha, dançar esquisito na frente do comandante,
até os soldados me encherem de chumbo.
Só que eu não dancei.
Aguentei.
Eles agora apostam que até o fim do ano eu desisto.
Que o meu sangue vai ser mais um a escorrer vermelho pelas ruas da cidade.
Deixa eles. Mal sabem que me desdobro.
Com cerveja, com boa companhia.
Com os amores escondidos, com os filmes do Padilha.
Com o abraço dos irmãos, com os discos do Belchior.
Com sorte, meu amor, o fim do ano chega e eu não me mato.
Você ainda vai ter muito orgulho de mim.
Seja Você Mesmo!
Seja você mesmo! Falou o gênio.
Mas que conselho é esse?!
Ser o que se é. Já imaginou?
E o que se é?
“Se descreva”, manda o Instagram.
Mas nem meu nome é o que sou.
Minha profissão muito menos.
Eu sou livre! Talvez depois das 18 horas.
Sou corajoso! Não pra fugir de mim.
Sou o bom filho pra minha mãe.
O mal filho na roda de bar.
De manhãzinha, estou bem, obrigado.
Antes de dormir, é complicado.
Tanto que nem durmo.
Pensando na nova solução encomendada:
“Ser você mesmo!”
Mas e a gente que não é nada?
E a outra gente que é tanto?
Mas tanto
Que não pode nunca
Ser aquilo que se é
Sem despedaçar o coração ao vento?
Amor Próprio.
Eu me odeio com certa convicção.
Não é um ódio firme de me rasgar por dentro, mas não é uma antipatia de canto de boca.
Eu me odeio na medida cotidiana em que se odeia as coisas.
Como odeio parar nos sinais vermelhos.
Ou como odeio esperar na fila do banco.
Odeio não poder sair de mim quando quero.
Trancar a porta, tirar umas férias,
voltar daqui há 3 meses.
Eu odeio o que me limita.
E eu sou meu limite.
Eu me odeio como se odeia o que está deturpado.
Como se odeia a desigualdade social.
Ou os Estados Unidos da América.
Me odeio como se odeia o que se releva.
A minha hipocrisia,
Me abobalhar com curvas e olhos claros,
Ser fútil, tolo e superficial.
Ser refém das taxas hormonais,
Marionete da química do cérebro.
Não é mais questão de chá de erva verde,
Nem de ioga ou terapia holística.
Virou protocolo, inerente de ser.
É me perceber sem poder me controlar.
É ser confusão, constrangimento, sentimento e dor.
É o que posso exigir de mim.
Está tudo bem. O ódio passa.
A gente muda como muda a maré,
Me odeio na sexta pra me amar no domingo.
Qualquer monocromia
É ousar querer se enlaçar.
Num conforto vão
De estar consigo mesmo.
Sou tudo demais para me acomodar no peito.
Uma hora eu recorro
À toda espécie de sentimento.
Literatura.
As vezes um escritor não consegue escrever.
E é coisa peculiar um escritor que não escreve.
É como pássaro que não canta, flor que não floresce, homem que não respira.
A escrita é coisa frágil, tosca e limítrofe.
Mora em nós um mundo de coisas que não cabem no vocabulário.
Lá no fundo, mora o que não tem nome, o que não tem forma,
o que não tem pudor de se revelar concreto pro mundo.
Ela nos frustra porque se escreve e falha.
E a falha é poema por si só, que trata da agonia daquilo que é impossível, mas se faz.
Escrever é impossível, mas se escreve.
Hoje eu sou sentimento sem nome, que não cabe na escrita.
Sou uma inconformidade conformada, um amor que gera raiva e uma ferida
que, mesmo sarada, sangra e pulsa a dor de um coração partido.
Falar disso me quebra a gramática e as figuras linguísticas restam insuficientes.
Não sei mais de nada.
Eu a quero e ela me quer.
Eu a beijo e ela me beija.
Mas a conta não fecha.
É que a ideia de um novo amor machuca,
por conta de um antigo amor que machucava.
Virei saudade que não se mata, coisa incógnita, que mora entre o sonho bom e a realidade crua,
entre o sabor de uma nova paixão e o peso de uma antiga dor.
Me contemplo e me fascino, e me ataco e me destruo.
Eu não existo.
Por onde começo a me escrever?