FRANCISCO SINVAL

Francisco Sinval

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Nome: Francisco Sinval 

Biografia:

Professor do Instituto Federal do Ceará – IFCE. Graduado em Letras pela Universidade Federal do Ceará – UFC. Professor de Língua Portuguesa desde 1995, tendo lecionado nas principais escolas e nos principais cursos preparatórios em Fortaleza e no interior do Estado. Autor de materiais diversos voltados para o ensino da Língua Portuguesa. Idealizador do projeto Passando a Língua na Canção, apresentado durante cinco anos em parceria com o SESC. Participante de projetos como Academia Enem, Alcance (na Assembleia Legislativa), Enem Chego Junto, Chego Bem, Liga Enem entre outros. Mantenedor do blog Língua Afiada, que já ultrapassa a marca dos quarenta mil acessos. Integrante do site Desenrolado.com, no qual ministrou vídeo-aulas para estudantes de todo o Brasil. Autor de poemas, contos e crônicas premiados em concursos locais e nacionais.

Poesias

 Quase-janela II

Cultivo algumas familiaridades com o tempo:
dou-lhe de beber e, quando sobra, de comer,
deixo-o teso,
ereto como num primeiro abraço,
finjo,
traduzo na saliva das horas
um ar rarefeito de infância,
as paredes não suprem Van Gogh,
a fibrose defende o segredo de ser
cicatriz em feitio de estrela,
a biblioteca é módica,
papel apenas,
os livros, mal sei deles,
as mãos não são suficientes,
suplicam,
desvelam,
pouco sei dos teóricos, tampouco eles de mim,
o afago enrijece as pernas,
sei da palavra o bastante
para correr na piçarra molhada
e colher do orvalho o cheiro,
premedito nomes, prenomes,
epítetos,
no bistrô,
um petit déjeuner ou dîner,
as sobrancelhas imprimem ares de coerência,
sustentam as dores de hoje
as faltas se aninham,
sinto o cansaço dos bares,
a fumaça,
tudo mudou de trilho,
coso medos tardios
paciente, essa quase-janela
espicha os braços desastrada,
em afago,
mesmo por fingimento

Exercício de percepção

mais música na angústia que no consenso,
mais acordes nas banalidades que nos passantes,
mais cor no retinto dos asfaltos que nas veias.
mais frêmito nas gentes opacas que nas noites incandescentes,
mais razão nas antessalas que nos estilhaços,
mais insistência nas telas que nos recomeços.
mais justiça no patrimônio furtado que nos desapontamentos,
mais devassidão na doença que na privacidade,
mais abandono no braço estendido que nos dísticos.
mais ferocidade nos pulmões entupidos que na filarmônica,
mais vida nos baixios de indigentes que na intercessão dos arranha-céus,
mais suavidade na criatura morta que nas caricaturas emocionais,
mais poesia nas cidades assoladas que no caos das teorias,

mais fé no abandono das crenças que nas artimanhas do cobre,

mais verdade no algoritmo que no espelho.

Quase aurora (insônia in prima persona)

Os dias engendram um cansaço familiar,
um amargor na boca,
um formigamento arcaico,
redivivo,
iço olhares puntiformes,
estilhaços perdidos no espelho,
neles a solidão acalenta
com histórias de andanças
e louvores de alma,
a crença nos vultos abala,
preciso urgentemente
calçar outras sandálias,
a claridade toma a palavra,
cães ao longe anunciam
o despertar do dia,
o grito rouco, costumeiro,
entre ossos e veias,
asperge a memória,
os castiçais resistem,
a sombra descreve figuras
discretas, íntimas,
o calendário está na cozinha,
sinto imensa preguiça,
de arrancar-lhe as páginas,
a solidão chega pelo olho mágico,
palpável como o raio de sol
que acorda antes do tempo.

SONETO POR AMAR DEMAIS

Amo demais, mas nunca fui de amar!
Encanto-me pouco, entrego-me menos,
Canto, sereno, o essencial do tempo:
– Procuro no porto a razão do mar…
Amo demais, que já nem sei parar!
E esse amor vem demasiado intenso:
– Solúvel em sonho, óculos pensos,
Peitos de louça, coxas de alforjar…
Perco-me, às vezes, por poucos segundos,
Por essa piçarra serpentinosa
E fronteiriça de carne instintiva.
Nesse vulto, sincopado e fecundo,
Decomponho desejo em rima e glosa,
Sinto o corpo sangrar em alma viva.