21 nov ANA LÍDIA
Ana Lídia
Nome: Ana Lídia
Biografia:
Lídia Rodrigues, sapatão, negra, cearense, educadora social, ativista feminista, artista plástica e escritora. 32 anos em que água de sal esculpe sua existência, de suor, gozo e lágrimas, rios que escorrem pro (a)mar em Fortaleza. Compõe o grupo ativista Tambores de Safo, onde performa algumas de suas poesias. Teve dois poemas publicados na antologia poética Elas Escrevem da Editora Andross, e, publicou o livro ECDISE pela padê editora. Palavras são matéria prima para corporificar sentidos, histórias, acasos, fatos e transbordamentos. Palavra é ponte, meio para partilhar com as suas aquilo que se cultiva dentro
Poesias
SANKOFA
Nas entranhas da memória,
Remexe um fato insistente
Sei que, se meu corpo chora,
Ou, a minha mente, mente
Preciso ficar no agora
E ter fé no pra frente
Pra semear outra história
E o futuro gerar semente!
Chorei jorros pra dentro.
Obriguei a rotina a parar.
Havia tanto sofrimento,
E, coisas fora de lugar,
Que o meu maior intento
Era não deixar-me matar
Deixei escoar a dor
Banhei ao sol, senti o vento,
Um tempinho, e vi uma flor,
Brotar rompendo o cimento:
Uma crosta que formou
A substância do sofrimento
A flor chamei esperança
Passado, chamei a parte quebrada
Esgotei e canalizei a lembrança
Que no tempo gerou terra adubada
E o futuro sorriu: criança
Pois a vida não se rende por nada!
Saboeira XG
Aquele conto de fadas
Todo feito de padrão simulacro perfeito de uma prisão
Não tem na coloração
Nem no tamanho xg
Capaz de me caber
Preta-gorda-sapatão
Se quiser até soletro
A palavra solidão
Mas ela não é a síntese
Dessa inadequação
Que não requer salvação
E se quer mesmo saber
Desse modelo de poder
Faz tempos que abri mão.
Poder e amor eu tenho Livre da escravidão Da paródia da dependência Onde qualquer emoção Se vive em meio à tensão Em vez disso existo e ajo sem medo! E posso contar um segredo? É isso fazer sabão
Aquele conto de fadas
Todo feito de padrão simulacro perfeito de uma prisão
Não tem na coloração
Nem no tamanho xg
Capaz de me caber
Preta-gorda-sapatão
Se quiser até soletro
A palavra solidão
Mas ela não é a síntese
Dessa inadequação
Que não requer salvação
E se quer mesmo saber
Desse modelo de poder
Faz tempos que abri mão.
Poder e amor eu tenho Livre da escravidão Da paródia da dependência Onde qualquer emoção Se vive em meio à tensão Em vez disso existo e ajo sem medo! E posso contar um segredo? É isso fazer sabão
DANDARA
Estou solta do lado de fora,
Ninguém vai me prender,
E o que eu digo a você é só liberdade…
Não existe mais medo em mim,
Do que estar por vir,
E o meu destino nem tá na metade…
Já estou é no topo, e, sem culpa
Eu sigo caminhando Porquê topo é passagem…
Pois é de altos e baixos a vida
E eu encaro a parada E sigo viagem
E não me falem que é tempo perdido
O tempo anda comigo Estamos de brodagem..
E também posso decidir parar,
Parir ou plantar, Me chamo desejo,
sobrenome coragem.
MEMÓRIA EM PRETO
A história se repete, isso é um fato,
Que não podemos aceitar jamais
Se antes haviam capitães do mato
Hoje existem os policiais
Se ontem nos navios negreiros
Nos levavam, após nos arrancarem
Do nosso chão, Hoje é em nome da lei
Que nos arrastam dentro ou fora do camburão
Somos centenas, milhares de Amarildos
Somos diversas, incontáveis as Claudias
Que fomos pela PM desaparecidos
Ou tivemos os corpos arrastados pelas praças
Se nos retrataram como animais
Na história escrita e formal
Hoje quando aparecemos nos jornais
Quase sempre é na seção policial.
Mas iremos sim transformar a história,
Para um dia, oxalá, poder gozar de direitos
Não daremos um descanso pra memória,
Pintaremos a história de preto!
PASARINHANDO
Sentimento avesso a essa
Desembocadura de era
Enquanto eu leio jornais
Os dias pesam refletidos
No papel em sangue embebido
E eu nunca vejo a primavera
Quando avoante de palavras,
Sentimentos nascem em mim
E do peito saltam versos
Que escapolem pela goela
Ganham ventos em voos
Sem objetividade fajuta
Sem crime dito confesso
Sem verdade universal,
Sem prescrição, bula ou remédio
Só á terapêutica de ver
O que vive dentro expresso
Sentimento avoado que passarinha no ar
Passarinha na água e na terra
Passarinha no sentimento
Esse ser passarinhento
Sentido travestido de asas
Que pesa menos que penas
Vai mais longe que pernas
Passeia mais que o tempo
Passarinha meu sentimento
E experimenta bailar no ar
Se há brisa e o cenário é bonito
O presente é o melhor momento
Pra como num voo amar
Para se houver dor, soltar o grito
Para refazer a realidade
Reconstruir o escrito
E num instante provar
Que sou filha do infinito.