16 nov ALAN MENDONÇA
Alan Mendonça

Nome: Alan Mendonça
Biografia:
Alan Mendonça é escritor, letrista e dramaturgo. Mestre em Linguística Aplicada, exerceu, entre os anos de 2017 e 2019, a função de Conselheiro de Literatura no Conselho de Políticas Culturais do Estado do Ceará. Publicou: Varandas (poesias, 2004); [Des]caminhos da Arte-educação (artigos, 2006, org.); Angústias, álcool e cheiro de cigarro (poesias, 2006); A desmedula da seta (poesias, 2011); Palavra Russas (vários, 2011, org.); De peixes e aquários (poesias, 2015); O silêncio possível (poesia, 2017); O cinema dos fósseis (poesia, 2018); Cinco inscrições da mortalidade (poesia, 2018, org). Lançou os CDs: Enquanto a cidade dorme (músicas, 2007); Coração Cinzeiro (poesias, 2008); Mesmo que seja tarde (musicas, 2015); e Do tempo faltando um pedaço (músicas, 2015), além de participar de várias antologias literárias e musicais
Poesias
Coisa
Coisa de folha e madeira e um sol translúcido
distante
coisa de léguas
e no verde-abacate da parede-sem-vida um riscado de poema
a empurrar o salitre pra alma do tijolo coisa de empurrar salitre pra alma da lembrança
difusa
soluça o tempo na janela
(…)
um pedaço de cebola na panela a chorar saudades veloz máquina de datilografar a expor o inútil
inútil pão-com-manteiga inútil café-frio
coisa de folha e madeira distante
(no tempo em que o rompe-ferro era um filhote de cachorro, filho do leão e da baleia, que latiam nomes pela fome dos tempos)
coisa de folha e madeira cartolina de vende-se
onde antes voava uma arraia
O cinema dos fósseis
dentro da pedra tem um ovo dentro do ovo tem um olho
e o sol incendeia o cinema dos fósseis
(enquanto)
o homem pensa
que já aprendeu o suficiente
com seus olhos meia-boca (e) seu coração de-pedra
Motivo
Porque o que posso ser nesse mundo é poeta
porque traduzo em palavras toda a minha verdade que invento
porque, quando menino eu olhei no olho da rua e vi uma estrela numa poça de lama
porque eu mergulhei na poça e apanhei por isso
porque havia um beco e um curral e eu vi uma borboleta pousada serelepe num estrume de vaca
porque minha vó tinha uma sacola de palha cheia de bolachas
porque um dia uma mulher me beijou a boca numa noite aperreada
porque eu tive um amor pra sempre que se foi no nunca
porque o tempo passa e eu desacompanho
Escamas
Guardou todas as cartas num baú de couro fedido (nunca que soube escama alguma do marinheiro)
pensava que no mar não haviam esquinas, nem números nas casas, nem pontos de referência
nunca que enviou as cartas que escrevera com sal contando do filho que crescia desde o dia em que o navio praiano entrou pelo rio das onças (quando cheio)
no único dia em que o rio estivera cheio em toda a memória das águas
o navio entrou e saiu na rapidez de um desejo grávido deixando meninos a nadar nos buchos
(…)
o dela crescera mergulhando em cacimbas escorregando feito peixe pelos telhados das cisternas
(ficou tudo nas cartas salobras)
o menino, que tinha os dedos nos pés colados e algumas escamas nas costas, descobriu que o caminho seco do rio despejava vazios no mar e desembocou pareando pedras
foi ser marinheiro
e tanger algum navio de sal pro sertão dos meninos de água doce
não levara nenhuma das carta da mãe, que se enganchou na rede das memórias de um peixe e só lembrava de hoje
levara, (para caso se molhasse com o pai) os olhos salgados e um anzol numa pedra-fóssil
Coração Cinzeiro
Meu coração é um cinzeiro usado cheio do maçado das cinzas dos amores passados tanto quanto presentes, futuros
ponta a ponta do que o fogo acaba
e fogo acaba
queima cigarro de palha cigarro nobre com cheiro de cravo cheiro de mato
cigarro
de tempo determinado tempo que suga o fogo que sopra a fumaça e guarda as cinzas no coração cinzeiro
o amor é queimada é coivara e dura o tempo da queimadura queimadura que dura na tessitura queimada e depois é novo velho chão é novo cigarro
tudo tem tempo terminado e o que existe é porque ainda não foi queimado
tudo é queima cinza e passado
mesmo o acender isqueiro mesmo a fricção do fósforo quando finda o gás quando se chora a lixa quando o tempo espicha quando é nunca mais
quando se chega ao filtro no sereno do fim
e a tristeza refuma todas as pontas e jura que nunca mais fuma e pede a deus outro cigarro que se vier
vem com tempo determinado um apanhado de cinzas remodelado costurado
quando se tira a linha quando se acende o isqueiro ou quando se fricciona o fósforo para começar a acender as velas do velório
para quando se chegar ao filtro
quando se passa a catar as pontas de amor do chão